POVOADORES DA FRONTEIRA
1. A vida da família Pasuch na Itália
É com imensa satisfação que contribuímos com nossa história no Paraná para a segunda edição do livro Centenário da família Pasuch no Brasil, trazendo à memória nossos antepassados que partiram da Itália para o Brasil em busca de melhores perspectivas de vida no Novo Mundo e a chegada em terras paranaenses. De lá pra cá muitas estradas foram percorridas, inúmeras terras foram desbravadas e incontáveis amizades ao longo desses anos deixaram saudades por onde passamos e vivemos. A história que hoje vivemos tem origem num passado feito de bravura e coragem por aqueles que se aventuraram no mar para chegar ao Brasil. Por isso, em homenagem aos nossos queridos antepassados, fazemos memória das suas histórias, para também compreender nosso presente, pois, como já dizia o historiador romano, Cícero, “a história é a mestra da vida”. Os descendentes da família Pasuch, que atualmente moram em Santo Antonio do Sudoeste, Paraná, estão, comigo, Altamiro José Pasuch, já na terceira, quarta e quinta gerações nascidas no Brasil. Eu nasci em 01 de março de 1953, em Seberi, Rio Grande do Sul, na comunidade Santo Antônio, próxima à de Osvaldo Cruz, onde meu nono João Pasuch morava com sua mãe, já viúva, Luigia Pasuch, conhecida como Noneta. Casado com outra italiana, Idete Tedesco, nascida em 31 de maio de 1956, tenho quatro filhos: Giovane, Cézar, Eliane e Fábio. Mas a história não começa conosco, pois somos seu extremo mais recente; inicia-se lá na Itália há três séculos. Desse período, pelo que ouvi com muito carinho de meus pais, tentarei rever algumas paisagens, imagens, fotos, impressas em nossos corações para compartilhá-las com todos vocês até chegarmos a nós. Para entender o presente, é necessário compreender o passado, onde tudo começou. Com essa disposição, façamos uma pequena viagem com base no que os nossos nonos contavam, para sabermos como viviam os Pasuch no norte da Itália. Lá em meados do século XIX, como se sabe, as condições de sobrevivência não eram boas. No município de Sedico, Província de Belluno, região do Vêneto, de onde veio a família Pasuch, a realidade também não era diferente. Na primeira metade do século XIX, de 1804 a 1866, a região do Vêneto foi dominada pelo Império Austríaco, o qual foi substituído na segunda metade do século, em 1867, pelo Império Austro-Húngaro. Esses acontecimentos políticos provocaram muitas mortes, violência, sofrimento, fome e doenças. E os Pasuch moravam por essas bandas tão conturbadas quanto frias. Nelas a família levava uma vida de trabalho no campo, criando vacas, ovelhas e porcos, e plantando videiras para fazer vinho e vinagre, além de cultivar o frumento, o trigo, para fabricar todo tipo de massas, pães e bolos. O trigo era plantado em outubro, ainda sob o frio intenso da neve, entretanto, passado o período de dormência da semente, quando a neve derretia, ele surgia viçoso. Na primavera, para fazer a polenta, plantava-se o granoturco, o milho, também conhecido como mais e frumentone. Com o caniço do trigo ou com a palha da espiga do milho era feita uma trança com sete fios para fazer chapéus, esteiras e cestas. Já a cana do milho era guardada para fazer fogo no inverno. Durante o inverno, eram obrigados a ficar em casa, pois o frio e a neve eram tão intensos que os impediam de trabalhar no campo. Para se abrigarem, no inverno, trancavam-se em casa ao redor do fogo feito com o pé e a cana do milho, ou então, ficavam em meio às vacas na estrebaria para se aquecer. As mulheres aproveitavam o tempo livre para fazer o fio de lã com a Roca, o tecido e as roupas, enquanto os homens descascavam e debulhavam o milho. Para se distrair durante o trabalho os italianos cantarolavam, contavam histórias e anedotas. Apesar das dificuldades eram alegres e estavam sempre de bem com a vida. Porém, a situação piorou tanto, que a falta de oportunidades na própria terra, forçou-os a partirem da Itália para o Brasil. A situação econômica da época não trazia esperança de melhoras, a agricultura estava decadente e não havia mais terras para os filhos trabalharem, o que os levou, então, a reunir forças para partir; a tristeza foi geral, tanto para os que partiram, quanto para os que ficaram.
2. Os antepassados italianos
O meu antepassado mais antigo, encontrado no livro de registro de batismo da Igreja Santa Maria Anunciata de Sedico, chamava-se Francesco Pasuch, nascido em Sedico em 1760. O seu filho Antonio, nasceu em 19 de outubro de 1786. Ele era pai do Pietro Giovanni, nascido em 29 de julho de 1825, casado com Antonia Palma de Noal, povoado próximo a Sedico, nascida em 12 de agosto de 1839. Pietro Giovannni casou-se com Antonia Palma em 29 de fevereiro de 1867, a qual veio a falecer em 25 de maio de 1883. Eles tiveram cinco filhos: Domenico Olivo (29.5.1866); Angela Marianna (04.05.1869); Giuseppe Luca (12.02.72); Maria (20.9.1874), que faleceu com um ano de idade. Em 13 de julho de 1876 nasceu outra menina, também chamada de Maria, pois sempre que morria um filho, o próximo que nascia recebia o mesmo nome. Porém, infelizmente, ela também veio a falecer em 1878. Em 1891 vieram juntos com os primeiros Pasuch Pietro Giovannni, com 66 anos, já viúvo, e seus dois filhos, Domenico Olivo Pasuch (29.05.1866-08.02.1930), então com 25 anos, e Giuseppe Pasuch (12.02.1872-12.07.1945), com 19 anos. Todos nascidos no município de Sedico, Província de Belluno, região do Vêneto, norte da Itália. Desembarcaram no Brasil após um mês de viagem pelo Oceano Atlântico dentro de um navio tocado a vela. No Brasil, já no Rio Grande do Sul, Domenico Olivo e Giuseppe foram morar no lote quarenta e nove comprado pelo pai Pietro Giovanni na Linha Marquês de Paranaguá com 302.500 m². O lote foi adquirido em 30.12.1891 sendo pago 50% a vista e o restante em construção de estradas. Os outros Pasuch, também compraram lotes situados na Linha Paranaguá no Município de Antônio Prado, hoje, Nova Roma do Sul. Todos vieram “fazer a América” no Rio Grande do Sul, como se dizia na época. Nos primeiros tempos não vendiam nada, apenas algumas galinhas como conta meu tio Antônio, neto de Domenico Olivo, que já está com 90 anos de idade. Trabalhavam na construção de estradas, pontes, casas, galpões e plantações, num grupo em que um era o patrão e o outro, o comandante. Chegando a Antônio Prado, no Rio Grande do Sul, o irmão mais velho, Domenico Olivo, conheceu a sua futura esposa, também uma italiana que imigrou para o Brasil, a Luigia Durante, nascida em 27 de fevereiro de 1874 no município de Vedelago, Província de Treviso, também na região do Vêneto, norte da Itália. Assim, por volta de 1892 o bisnono Domenico Olivo casou-se com a bisnona Luigia. Contudo, o seu casamento civil só foi registrado 21 anos depois. Conforme consta no livro de registro de matrimônios de Antônio Prado, o bisnono casou-se em 05 de novembro de 1913. Nessa época o bisnono Domenico Olivo tinha 47 anos e a bisnona Luigia 39. No decorrer desses anos, os filhos foram nascendo, crescendo e casando na casa paterna. No Brasil, Domenico Olivo e Luigia Durante tiveram 10 filhos, todos nascidos na Linha Paranaguá em Antônio Prado. Eram eles: Corona (26.01.1893-14.03.1958); Maria (20.12.1894); João (26.01.1898-02.07.1974); Oliva (24.05.1900); Virgínio (30.05.1905); Antonia (14.01.1907); Verônica (09.01.1909); Angelo (01.1.1911); Augusta (13.02.1913); Regina (07.02.1922). O bisnono Domenico Olivo viveu em Nova Roma do Sul até sua morte em 1930. Já a bisnona Luigia só veio a falecer bem mais tarde. Faleceu em 08 de setembro de 1957 com 83 anos de idade no município de Iraí, RS, na casa de sua filha Augusta. A respeito da morte do bisnono Domenico Olivo Pasuch, temos uma história muito triste para contar. Era sábado, dia 07 de fevereiro de 1930. Houve uma festa, a do casamento de uma de suas filhas, e o bisnono Olivo voltava dela extremamente faceiro, pois era um ótimo apreciador de vinho. Para chegar até sua casa, o bisnono precisava atravessar o Rio Aciolli, em Nova Roma do Sul, um pequeno riacho que deságua no rio da Prata. Entretanto, naquela tarde de sábado havia chovido muito na cabeceira do rio, aumentando a correnteza. Do outro lado do rio fizeram sinal que não era para atravessá-lo, porém o bisnono entendeu o contrário e entrou com mula e tudo dentro da água. Quando a água foi chegando perto do pescoço, ficou sem equilíbrio e desceu correnteza abaixo, perdendo a vida por sua imprudência. Enquanto isso, sua mulher, Luigia, que dormia em casa, sonhou que o bisnono estava pedindo um pedaço de pão, o qual era considerado alimento sagrado pelos imigrantes, pressentindo, assim, sua morte. No dia seguinte foi rezada uma missa a fim de encontrá-lo, sendo que no mesmo dia acharam seu corpo dentro do Rio da Prata.
3. A jornada em direção à fronteira
O meu nono João, conhecido como Nanni, era o terceiro filho de Domenico Olivo e Luigia Durante, nasceu em Antônio Prado em 26 de janeiro de 1898 e casou-se com Graciosa Bernardelli nascida em 09 de agosto de 1899. O nono João e a nona Graciosa casaram-se em 06 de julho de 1919 em Antônio Prado. Como os lotes que os Pasuch adquiriram em 1891, quando chegaram em Nova Roma do Sul, RS, não eram muito grandes, eles não podiam mais ser divididos entre os filhos. Por isso, depois de viver por 21 anos na Linha Paranaguá, em Antônio Prado, em 1919, o nono João, decidiu migrar para a fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, porque nessa região o governo estava oferecendo gratuitamente terra para os colonos com o intuito de povoar o mais rápido possível a região de Palmeira das Missões para proteger a fronteira. Assim, o nono João instalou-se no município de Iraí, onde nasceu o neto de Domenico Olivo, meu pai, Alberto Pasuch. Foi em busca de novas terras para plantar trigo, milho, feijão, arroz e soja. Em 1924, quando meu tio Antônio, irmão de Alberto, tinha apenas quatro anos, a famosa Coluna Prestes do Tenente Gaúcho Luiz Carlos Prestes, que percorria toda a fronteira do Brasil com a Argentina, passou por Iraí, RS. Apesar de ter apenas quatro anos de idade, ele ainda lembra que brincava com os cartuchos usados que os pistoleiros jogavam fora. Também conta que quando os jagunços quiseram levar uma vaca do meu nono João, minha nona Graciosa interferiu. Pediu que deixassem a vaca porque faria falta para o leite das crianças. Percebendo que seu pedido não estava sendo atendido, para evitar que os jagunços levassem a vaca, ela ficou ao lado da porteira com uma foice. Como eles não ouviram a reclamação da minha nona Graciosa, ao passarem a porteira com a vaca, a nona cortou a corda com a foice. Diante da coragem dela, os jagunços desistiram de levar a vaca. Por volta de 1932 meu nono João foi buscar de charrete sua mãe Luigia Durante, já viúva, devido ao falecimento do bisnono Domenico Olivo em 1930, em Nova Roma do Sul, para levá-la até a casa de sua filha Augusta em Iraí. Mas antes disso, a Noneta Luigia ficou uns dias no povoado de Osvaldo Cruz, em Frederico Westphalen, RS. O nono João Pasuch faleceu em Santo Ângelo, RS, em 02 de janeiro de 1974 e a nona Graciosa Bernardelli faleceu em 14 de outubro de 1979, também em Santo Ângelo. Enquanto Alberto morou em Santo Antonio do Sudoeste, Paraná, seus pais João e Graciosa vieram visitá-lo três vezes. O nono João veio visitar seus filhos e netos pela primeira vez em 1965, quando ainda morava na comunidade Santo Antônio, em Seberi, no Rio Grande do Sul. E em 1978 a nona Graciosa veio visitar seus filhos, netos e bisnetos pela última vez. Ela ficou um dia em minha casa cuidando e cantando para o seu bisneto Giovane dormir. Nessa visita também aproveitou para empalhar algumas cadeiras com palha de milho. Em 1942 meu tio Antonio serviu o exército em São Leopoldo no 8º Batalhão de Caçadores. Dois anos depois, devido a Segunda Guerra Mundial, meu tio foi convocado como reservista para servir o exército no 8º Regimento de Infantaria de Cruz Alta em 1944. Como seu batalhão foi convocado para ir lutar na Itália ao lado dos Aliados, na Segunda Guerra Mundial, para evitar ir à guerra, meu tio conseguiu uma licença para ir até sua casa em Seberi, com o objetivo de se casar com minha tia Marina Manfrin para que não fosse enviado à guerra. Quando retornou ao exército, o seu grupo já tinha partido para a guerra. Essa estratégia poupou meu tio Antônio de ir à guerra onde poderia perder sua vida. Meu Pai Alberto nasceu, então, em Iraí, na região de Palmeira das Missões aos 23 de abril de 1923. Posteriormente foi morar na comunidade Santo Antônio, pertencente ao município de Seberi. Alberto, filho de João, também tinha três irmãos: Antônio (17.07.1920), que casou com Marina Manfrin (17.07.1924-21.11.2004) e mora atualmente em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul; Germano (22.02.1937-23.10.1990), casado com Maria Cezar Cristanello (13.09.1937); e Pedro (14.10.1935-19.10.2006), casado com Erotilde de Oliveira (17.10.1938), residente em Santo Antônio do Sudoeste, Paraná. Alberto casou-se com Carmelina Manfrin nascida em 09 de novembro de 1921 e teve 10 filhos: Cicília (14.08.1944); Benjamin (1945); Alberi (31.10.1947); Soeli Terezinha (13.06.1950), Altamiro José (01.03.1953); Albenez Antônio (13.08.1955); Adelir (13.01.1958), Altaídes (13.12.1960), Evanir de Fátima (08.05.1963); Beatriz Elizabete (03.05.1966). Desde Guri Alberto teve que assumir as responsabilidades do trabalho na lavoura no lugar de seu irmão mais velho, Antônio, saído de casa para trabalhar de ferreiro em Osvaldo Cruz; também porque Pedro e Germano eram pequenos e ainda não podiam ajudar na roça. Nascido em Iraí, posteriormente, Alberto mudou-se para Seberi com seu pai e se instalou na comunidade de Santo Antônio. Nesse tempo, trabalhou com o nono João plantando milho, feijão, trigo e arroz, além de cultivar parreiras. Tudo era artesanal. Plantava-se a mão no meio da coivara, roça preparada com a queima do mato, porque ainda não havia máquina de plantar manual. As covas eram abertas com a enxada ou o xaxo, uma vara de madeira, e as sementes eram carregadas em um saquinho levado a tiracolo. Depois de aberta a cova, as sementes eram jogadas dentro com a mão e tampadas com o pé. Costumava-se fazer pouca roça, pois a mata era derrubada à foice, mas a produção, devido a terra ser fértil, era muito boa. Nada dispensava um esforço e, assim, não conheciam comodidade. O trigo e o feijão eram debulhados manualmente com o manguá, instrumento feito de duas varas de madeira presas por um pedaço de corda para debulhar os grãos. Assim, o trigo e o feijão eram colocados sobre um pano de eira feito de algodão ou mesmo sobre um pedaço de terra batida e, segurando uma das varas do manguá, batia-se com a outra vara sobre a palha para debulhar os grãos. Também eram usados cavalos para debulhar os grãos, os quais eram colocados para caminhar sobre a palha até que todos os grãos fossem debulhados. Já o arroz era debulhado de maneira mais simples ainda. O feixe de arroz era segurado pelo pé para que a outra ponta, a que continha os grãos, debulhasse quando fosse batido contra uma tora de madeira. Tudo era produzido apenas para o consumo. Seu pai João, que morava na comunidade Santo Antônio, em Seberi, RS, não gostava de fazer muita roça. Quando Alberto queria plantar mais, não deixava e ainda dizia: “Basta, basta!”, pois o nono João gostava mais de fazer frete para os vizinhos com sua carroça puxada por dois cavalos. Alberto foi à escola poucos meses; fazia suas lições em uma lousa feita de pedra, e acabava aprendendo as lições com medo de apanhar da professora. Ainda em Seberi, na Linha Canudo, pertencente à Comunidade Santo Antônio, onde foi morar depois que se casou, meu pai também tinha açude de peixes, caixas de abelhas, porcos, ovelhas etc. Alberto morou na Linha Canudo de 1945, quando retornou do exército, a 1953, quando mudou-se para o Paraná. Alberto costumava andar a noite a cavalo na escuridão e, como todo bom gaudério, não acreditava em fantasmas de gente viva ou morta. Não tinha medo de aceitar desafios, como domar cavalos e apostar corridas, sendo que qualquer trabalho para ele era uma diversão. Como bom gaúcho, tinha seu cavalo encilhado, que era muito bem treinado e usava todos os apetrechos necessários para a cavalgada: baixeiro, pelego, capa, laço e esporas, o que na primeira metade do século XX poderia ser comparado a um jipe 4x4, equipado com todos os assessórios para andar em trilhas de difícil acesso. E nos finais de semana jogava futebol nos campeonatos que eram realizados nas comunidades. Como era de costume, em comunidade de italiano, nos domingos e nas festas, sempre tinha o tradicional jogo de bocha, quarenta e oito e o jogo de mora, que era jogado apenas com os dedos, sozinho ou em dupla. A mora era jogada sobre um mesa sendo que fazia ponto quem acertava a soma do número total de dedos colocados na mesa pelos jogadores. Para o almoço tinha churrasco, arroz, cuca, radici e vinho. Já em casa, à noite, comiam polenta cozida com vinho acompanhada de radici, salame e queijo. Os italianos também eram conhecidos por serem muito econômicos. Por isso, surgiu a anedota que em casa de italianos, o queijo, em vez de diminuir de tamanho, cada vez ficava maior, porque ao invés de cortar o queijo para comer com a polenta, eles tinham o costume de passar a polenta no queijo para economizá-lo, o qual ficava cada vez maior e amarelo de polenta. Alberto casou-se na véspera de natal, com 20 anos incompletos em 1943, deixando logo em seguida sua esposa e filha para ir servir no exército em Uruguaiana. Fazia parte do 8º Regimento de Cavalaria. Por sua bravura, foi rapidamente promovido a cabo, pois durante o dia vigiava os pelotões. Mesmo sem muito estudo, conseguiu manter com seus superiores um relacionamento de igualdade, e, por ser responsável, era bem visto pelos sargentos e pelo capitão. Naquela época, o pelotão ainda não era motorizado e, por isso, ele tinha que cuidar de dois cavalos. Levantava às cinco horas da manhã para alimentar e encilhar os cavalos para que estivessem sempre prontos para o combate. No período em que estava servindo o exército, na cidade de Uruguaiana, pôde ver os pracinhas sobreviventes que voltavam da Segunda Guerra Mundial no ano de 1944, quando chegaram na estação de trem da cidade, contando para familiares, amigos e autoridades militares que os esperavam, como tinha sido a tomada do Monte Castelo na Itália. Nesse mesmo período em que serviu o quartel, em 1945, foi terminada a ponte sobre o Rio Uruguai. Quando Alberto voltou do quartel em 1945, seu pai João já tinha vendido uma parte dos nove alqueires de terra que possuía na comunidade Santo Antônio em Seberi, RS. Então Alberto foi morar na Linha Canudo na mesma comunidade, onde ficou residindo até 1953, quando se mudou para o Paraná. Da Linha Canudo, temos uma passagem engraçada, se não fosse trágica, para contar. Certo dia, Alberto levantou bem cedo para ir até a casa de seu pai João de carroça. Ainda no escuro, engatou os bois na carroça e saiu andando pela estrada. Quando ele chegou à casa de seu pai, ele viu que tinha se esquecido de desamarrar o terneiro que estava atado na carroça. Contudo, quando Alberto foi socorrer o pobre animal, o mesmo já estava morto, porque veio de arrasto pela estrada. Mesmo com todas essas atividades conturbadas, meu pai Alberto nunca deixou de freqüentar e ajudar a Igreja na Capela da comunidade Santo Antônio em Seberi, RS, onde foi capelão, puxador de terço e catequista. Porém, como o seu gênio era sério, não simpatizava muito com músicas e danças, tanto que não gostava de quem tivesse violão em casa, mas isso não impediu que seus filhos, mais tarde, aprendessem a tocar violão e gaita por influência da Dona Carmelina Victoria, sua esposa, que gostava muito de cantar. Também devemos recordar da minha Noneta Luigia Durante na comunidade Santo Antônio em Seberi, quando já idosa, que reclamava de sua bisneta Cecília, quando davam leite para ela, dizendo em dialeto italiano: “Altro que da a mi che sono vechia; si tutto nobile”, que significa: “ao invés de dar a mim, que sou velha, para eu beber; isso é que é nobre mordomia. Também não gostava que mandassem os queijos para o seu neto Antônio que trabalhava como ferreiro em Osvaldo Cruz. Por isso, a nona Graciosa tinha que mandar os queijos escondidos. Quando a Noneta ia passear nos vizinhos com os familiares e recebiam algo, nunca aceitava, e quando chegava em casa dizia: “Só eles que ganham as coisas, eu nunca ganho nada”. Também dava suas caminhadas de tamanco, mas quando os enchia de barro, tirava e os jogava no mato. No dia seguinte reclamava: “Cadei miei cinelli”, procurem nos cantos da casa. Outro hábito que ela tinha era ter sua caneca com café sobre o fogão à lenha, amigo inseparável. No dia primeiro de abril, segundo contam, lá pelo final da década de 1940, na comunidade Santo Antonio, em Seberi, RS, aconteceu um incêndio na casa do nono João que morava com sua mãe, a Noneta Luigia Durante. Como a Noneta costumava deixar o fogo acesso para esquentar a sua caneca de café, a lenha que tinha colocado atrás do fogão para secar, pegou fogo. Assim, os pijucas incendiaram toda a casa. O nono João que estava lendo a Bíblia do lado de fora da casa, não escutou o barulho das chamas, porque era meio surdo. Somente se deu conta que a casa estava queimando quando os vizinhos vieram correndo para ver o que estava acontecendo e quando o Felice Pasuch, seu sobrinho, veio acudir.
4. Povoadores do Sudoeste do Paraná
A história do Sudoeste do Paraná é marcada por grandes conflitos externos e internos, pois sua posse foi primeiramente disputada por Brasil e Argentina em 1750, no Tratado de Madri e, posteriormente, em 1895, quando a Argentina queria incorporar o Sudoeste do Paraná à Provincia de Misiones. Mais tarde, o conflito continuou internamente entre o Estado de Santa Catarina e Paraná e, na sequência, entre o Estado do Paraná e a União e, por último, entre as empresas madeireiras e os colonos. O município de Santo Antonio do Sudoeste fica na divisa do Brasil com a Argentina, no sudoeste do Paraná. A fronteira entre os dois países é feita pelo Rio Santo Antônio, o qual deu o nome ao município, última divisa estabelecida entre Brasil e Argentina. Ele nasce no município de Santo Antonio do Sudoeste e percorre uma extensão de 150 km até desaguar no Rio Iguaçu. Para firmar o acordo da fronteira entre Brasil e Argentina pelo Rio Santo Antônio, foi solicitado ao Presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland, que fosse o juiz da causa. Por fim, o limite do Brasil com a Argentina, tendo o Rio Santo Antonio como divisa, foi definido por Cleveland em 5 de fevereiro de 1895. Porém, a divisa só veio a ser definitivamente estabelecida em 1898 com o tratado assinado entre Brasil e Argentina pelo Ministro das Relações Exteriores, o General Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira. No final do século XIX e início do XX, a região do Sudoeste do Paraná foi ocupada tanto por brasileiros, como por paraguaios e argentinos. Os primeiros moradores a ocupar essa região foram Dom Luca Ferrera e João Romero, oriundos da República do Paraguai, que se instalaram em Santo Antonio do Sudoeste em 1902. Trabalharam extraindo madeira e erva-mate até 1920, quando foram substituídos pela empresa Argentina Pastoriza. A presença da madeireira argentina Pastoriza nessa região, pode ser atestada pela história que o velho Quissini da comunidade Rio Verde, próxima ao Cerro Negro, sempre contava: “Ao cerrar uma tora de madeira na mata, encontrei em seu interior um cravo ou prego de ferro, nunca antes visto por mim e pelos habitantes dessas bandas”. Porém, o surgimento do povoado, que recebeu a denominação de Santo Antônio, deu-se somente em 1912, com a chegada de um grupo de colonos tendo à frente Afonso Arrachea, vindo da cidade de Santa Ana, Província de Misiones, Argentina. As terras do Sudoeste do Paraná, da Gleba Missões, foram motivo de disputas entre vários grupos que se diziam donos. Os primeiros donos da terra, os povos indígenas Guaranis, que tinham mais direito, ou pelo menos também tinham direito sobre elas, ficaram de fora da disputa. Alguns fugiram para a Argentina e Paraguai, outros foram assassinados no confronto com os europeus e, alguns poucos, se misturaram com os migrantes de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No confronto entre europeus e indígenas, estes foram derrotados porque não tinham armas de fogo. A ocupação econômica do Sudoeste do Paraná pode ser dividida em dois períodos distintos. No primeiro período, antes de 1940, a região era ocupada apenas pela agricultura extensiva de exploração da erva-mate, madeira e criação de suínos. Os porcos eram criados soltos no mato ou em mangueiras feitas com troncos de árvores inteiras, derrubadas umas sobre as outras. Mais tarde, quando começou o cultivo do milho, os porcos eram soltos no meio da plantação para que comecem as espigas ainda no pé. A ocupação definitiva começou somente no segundo período, a partir de 1940, com a chegada dos migrantes gaúchos descendentes de italianos e alemães, vindos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os colonizadores se estabeleceram na região de forma espontânea, ocupando terras devolutas ou comprando o direito de posse dos caboclos que ali viviam para plantar. Nessa época, pela Lei Estadual n.º 790, de 14 de novembro de 1951, foi criado o município de Santo Antônio do Sudoeste, com território desmembrado do município de Clevelândia do Estado do Paraná, tendo como primeiro prefeito o Sr. Percy Schreiner. Em 1925, a Coluna Prestes também passou pelo nosso Município. Vinda de Santo Ângelo, RS, passou por Santa Catarina, depois pela cidade de Barracão, no Paraná, até chegar a Santo Antonio do Sudoeste, abrindo picadas em meio a mataria. A Coluna, composta por vários homens armados, chegou à vila Santo Antônio no dia 24 de fevereiro de 1925. Contudo, o grupo encontrou resistência de Affonso Arrachea, que na época tinha recebido o título de Coronel do Governo Federal para proteger a fronteira. Quando Prestes e seus soldados chegaram à vila, Arrachea já os esperava com seus homens para combatê-los. O confronto entre os grupos de Arrachea e Prestes provocou a morte de aproximadamente 50 pessoas. Muitos saíram feridos e outros fugiram se escondendo na região, onde enterraram muito armamento, segundo contou o senhor Maneco Ortega para o meu pai Alberto. Não se sabe ao certo os detalhes, nem o tempo e o caminho cortado por esse grupo de guerreiros, mas o Senhor Maneco Ortega, colega do meu pai Alberto na Câmara Municipal, muito seu amigo, relatou que a Coluna Prestes, que por aqui passou, rumava para outros países para fugir do Exército brasileiro, apesar de que aqui já estava fora de perigo. Como já estavam cansados de carregar o arsenal de guerra em seus cavalos, com enormes fuzis e metralhadoras, pois já não eram mais necessários e, além disso, já estavam a salvos, decidiram cavar uma vala e nela colocaram todas as armas, cobrindo-as com varas de madeira e folhas para escondê-las com o objetivo de voltar mais tarde para buscá-las, o que não aconteceu. Contudo, como não foi preservado o endereço do local onde foram enterradas as armas, seu Maneco convidou meu pai para procurá-las, porém nunca mais as conseguiu encontrar. Desse modo, segundo seu Maneco, elas jazem escondidas em algum lugar entre Santo Antonio do Sudoeste e Pérola do Oeste. Maneco sempre pensou que um dia alguém poderia encontrar, mas passou o século e o milênio e não se tem informações de que alguém trabalhando ou escavando no campo tenha encontrado as armas. É possível que algum dia alguém as encontre. Em 1943, na região do Sudoeste do Paraná, o governo Federal de Getúlio Vargas criou a Colônia Agrícola General Osório, hoje município de Francisco Beltrão, que ficou conhecida como CANGO, para ocupar essa região de fronteira com a Argentina com o objetivo de garantir a posse do território e evitar a invasão de colonos estrangeiros, tendo em vista que os argentinos já haviam reivindicado a posse do Sudoeste do Paraná outras vezes. Nesse mesmo ano, também criou o Território Federal do Iguaçu para assentar os reservistas do Rio Grande do Sul. Os conflitos pela posse da terra iniciaram e 1951, quando a companhia Citla começou a atuar na região para explorar a madeira e depois vender as terras, o que culminou com a revolta armada dos posseiros em 1957. Contudo, a Citla havia adquirido ilegalmente as terras de José Rupp, que por sua vez dizia ter recebido as terras da Brazil Railway Company como pagamento dos dormentes que havia vendido para a empresa construir a estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul. Contudo, desde 1940, essas terras já não pertenciam mais a Brazil Railway Company, porque a União as tinha incorporado novamente ao seu patrimônio para receber impostos atrasados. Nesse ínterim, todos os litigantes anteriormente citados, se diziam dono das terras, o que instaurou a confusão generalizada. Assim, no mesmo período apareceram vários donos para a mesma terra: o Governo Federal, o Estado do Paraná e de Santa Catarina, a Brazil Railway Company, José Rupp, a Citla e os posseiros. Em 1953, em meio a esse cenário conturbado do Sudoeste do Paraná, Alberto foi para Santo Antonio do Sudoeste antes de sua família com o objetivo de comprar uma propriedade. Nessa viagem também aproveitou para construir o seu primeiro rancho de madeira e fazer a roça. Como o caminho que ia até a sua propriedade era apenas um carreiro para passar a pé ou a cavalo, ele teve que abrir melhor o caminho, fazendo uma estrada, para quando chegasse o caminhão para levar a mudança até sua propriedade. Da Linha Canudo, na comunidade Santo Antônio em Seberi, RS, até a Linha Botafogo, na comunidade de Valdomeira, foi um dia de viagem em cima do caminhão. Durante a viagem os filhos mais velhos de Alberto, Cecília, com 9 anos, Alberi, com 6 anos, e Soeli, com 3 anos, vieram comendo uns palitos de massa que eram do dono do caminhão. A comunidade de Valdomeira foi sede de civilizações indígenas muito antigas, pois frequentemente os Pasuch encontravam pedaços de panelas, jarros e potes de argila com desenhos. Também encontramos uma pedra arredondada, que deduzimos ser uma mão de pilão, polida manualmente em forma de bastão com espessura de 5 cm por 30 cm de comprimento e uma esfera com 5 cm, objetos esses que não são da nossa era industrial. Tudo isso se preservou devido à localização desse ponto geográfico: longe do litoral, com serras e grandes rios e de difícil acesso, por isso, um ponto no mapa livre de usos predatórios. Na época em que chegamos à Linha Botafogo, testemunhamos a existência de matas virgens, onde existiam araucárias gigantes milenares de 40 a 50 metros de altura, soita-cavalo, angico, guajuvira, timbaúva, cabreúva, canjerana, cedro, peroba, canafístula, tarumã, canela e outros tipos de árvore com dezenas de metros de altura e diâmetros de quase 10 metros, as quais vi em vários locais e que hoje não mais existem. A madeira era usada para fazer casas, galpões, chiqueiros e cercas. As mais macias eram usadas para fazer tábuas para a parede, como o cedro, o pinheiro e a timbaúva, e as mais duras, para fazer caibros e cepos para a casa e o galpão e palanques de cerca, como por exemplo, o angico, o tarumã e a guajuvira. Como não havia telhas de argila, as primeiras casas eram cobertas com tabuinhas feitas de cedro, pinheiro e cabreúva. Tanto a ordem do governo, como a vontade dos colonos, era derrubar a mata para plantar, contudo, como na época todo o território era coberto por matas, ninguém imaginava que ela poderia acabar um dia. Por isso, restaram umas poucas árvores nativas aqui e ali. Hoje, em muitos lugares onde existem pequenas matas preservadas, já são formadas por árvores nascidas depois do desmatamento. As terras eram extremamente férteis e tinham abundância de água. Seguramente, por isso, meu pai Alberto tenha migrado para cá, certo de que aqui o progresso era garantido e de que as pessoas que estavam povoando essa região da fronteira eram valorosas, trabalhadoras e honestas. Foi aí que cheguei com minha família no ano de 1953 com menos de 1 ano, onde hoje posso relatar essa grande aventura.
5. A revolta dos posseiros
Naquela época a terra nessa região era do Estado, o qual cedia o direito de posse com escritura ao colono após o pagamento de uma determinada quantia. Porém, como as terras do município ainda não estavam escrituradas em 1953, Alberto comprou o direito de posse de um colono que já havia se estabelecido na região antes dele. Adquiriu duas colônias de terra com 10 alqueires cada na comunidade de Valdomeira, porém como ele não podia residir nas duas colônias ao mesmo tempo, para garantir o direito de posse, ele teve que optar por apenas uma, pois o colono que havia lhe vendido o direito de posse disse que venderia novamente a terra para outra pessoa se ele não a ocupasse. Para não perder o lote que havia comprado, foi obrigado a revendê-lo novamente para o antigo dono. Adquirida a terra, começou a derrubar o mato para fazer mais roça. Porém, nem tudo foi fácil. A década de 1950 trouxe muitos transtornos devido à existência dos vários conflitos para estabelecer o limite das divisas de terra entre as propriedades brasileiras e o direito de posse das mesmas. Em 1955 a Companhia Citla (Clevelândia Industrial e Territorial Ltda) de exploração de madeira de Dambros e Piva, que trabalhava naquela região, exigiu reintegração de posse das terras que os colonos tinham ocupado e mandou seus jagunços para expulsá-los da fronteira, alegando ter conseguido do Estado o direito de posse antes de os colonos chegarem. As expulsões começaram a gerar revolta entre os colonos contra os jagunços da Companhia Citla, que reagiram com um conflito armado, resultando na morte de muitos colonos e jagunços. Por sorte, Alberto era Reservista do Exército e possuía, além de um bom preparo físico para o combate, espingarda usada para caçar e se defender dos animais e um revólver calibre 38 para defender a propriedade de pessoas estranhas. Na dúvida, o meu pai Alberto, homem muito corajoso, em 1956 resolveu tirar a limpo à questão para saber se a terra era do Estado ou da Companhia Citla. Valendo-se da qualidade de líder da comunidade de Valdomeira, pediu ao Pe. José, pároco na época, para que averiguasse se a escritura da terra estava registrada em cartório. Lamentavelmente a escritura da Citla estava registrada ilegalmente por um cartório que fora instalado no município de Santo Antonio do Sudoeste por apenas 15 dias, só para fazer o registro das terras da fronteira em nome da Citla. Contudo, quando os colonos começaram a ser mortos pelos jagunços, eles se organizaram e partiram para a luta armada para se defender, pois naquela época todos tinham espingardas e revolveres. O governo do Estado, Moysés Lupion, era contra os colonos, pois também era sócio da Citla, como também a polícia da época que trabalhava para o governo do Estado. Devido à iniciativa de resistência dos colonos, o Presidente Juscelino Kubitschek, em 1957, teve que intervir no conflito a favor dos colonos, pois eles eram maioria e poderiam melhor assegurar a ocupação do Sudoeste do Paraná para evitar invasões estrangeiras. A Revolta dos Posseiros, como ficou conhecida, é o único caso no Brasil em que os colonos tenham ganhado a disputa pela posse da terra. Contudo, somente mais tarde, na década de 1970, é que a medição e escrituração das terras começaram a ser feitas, pois até então, os colonos apenas tinham comprado o direito de posse da terra verbalmente. Em resumo, como a região já estava povoada pelos posseiros do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a União teve que intervir no conflito, e deu direito de posse aos colonos, que também já tinham comprado a terra. Nessa época aconteceu o segundo pleito para as eleições municipais. Alberto, motivado pelas lutas e vitórias em 1956, candidatou-se ao cargo de vereador, elegendo-se logo em seguida; foi reeleito para um segundo mandato até 1964, quando ocorreu o golpe militar que o prendeu por 15 dias para averiguação dos suspeitos de serem contra os militares. No entanto, sua principal profissão sempre foi a de agricultor e nunca deixava de pegar trabalhos de carpinteiro para fazer na época da entressafra, como hábil falquejador de esteio a machado. De disposição interminável, nunca parava de trabalhar. Na temporada de chuva ou entressafra, aproveitava o tempo serrando palanques para fixar cercas. Erguia casas de madeira, sendo capaz de tirar a olho o prumo e o nível das construções que fazia, sem precisar de nenhum instrumento, aprendendo tudo por necessidade. Como ele trabalhava muito e de forma eficiente, acabava achando que os outros também podiam acompanhá-lo no serviço e reclamava quando não o faziam.
6. A vida da família Pasuch em Santo Antonio do Sudoeste
Iniciando tudo do zero, nós e nossos vizinhos, em poucos anos, formamos uma grande comunidade em meio ao sertão, o qual mesmo durante o dia, com a luz do sol, era um lugar perigoso e assustador por causa da existência de animais ferozes, como os tigres e as cobras. Quando andávamos no escuro à noite, tínhamos mais medo ainda. Era uma escuridão tenebrosa que tomava conta de tudo e incutia medo. Por isso, à noite, além dos animais ferozes, tínhamos medo de assombrações, do lobisomem, de alma penada e do bicho-papão. Do diabo, nem se fala, era o mais assustador. Tudo isso causava arrepios, todos tinham medo. As crianças até choravam de tanto medo, os adultos não demonstravam, mas também tremiam de medo, pois o barulho ouvido na escuridão, em meio à floresta, assustava a qualquer um. Também tínhamos medo do silêncio, pois este parecia um prenúncio de que a qualquer momento seríamos atacados. O trabalho iniciava antes do nascer do sol. Alberto levantava para fazer o café e acordar os filhos para ajudar a tratar os bois, as vacas, as galinhas e os porcos, antes de ir para a roça. Como o número de pessoas era grande, cada um fazia um serviço diferente: uns afiavam e amolavam as foices e as enxadas, outros iam pôr a canga nos bois para puxar o arado e encilhar os cavalos para puxar a carroça. Nos primeiros anos, em Santo Antonio do Sudoeste, meu pai tinha parelha de cavalos encilhados para andar na estrada, tanto para levar trigo, soja e milho na Cibrazem, um armazém que tinha em Barracão, onde fui quando saí de casa pela primeira vez, quanto para trazer os mantimentos da cidade. Lá pelo ano de 1965 a parelha de cavalos foi substituída por junta de bois tirada do rebanho de 40 cabeças de gado que Alberto possuía. A junta de bois era formada pelos terneiros, bezerros machos que precisavam ser amansados na canga. O adestramento dos terneiros começava com eles puxando uma tora de madeira de arrasto pela corrente, em seguida no arado e, por último, depois de já estarem bem mansos, eram colocados na carroça. A raça Zebu, originária da Índia, era a mais preferida para fazer a junta de bois, porque era rápida, resistente ao sol e obedecia apenas com o comando de voz do condutor. Outra raça boa era a dos bois Brahma comum, também da Índia, pesados e de muita força, que atendiam ao comando de algumas soiteiradas, açoites que serviam para amansar os bois xucros. Quanto mais gente tivesse ajudando para amansar os bois, melhor. Às vezes eles não se deixavam governar e acabavam disparando, oferecendo perigo. Depois, durante muitos anos, os bois serviam para puxar a grade, a carroça e a debulhadeira de cereais. Era o trator da época. Quando já velhos, os bois eram descartados, alguns até antes disso, por sofrerem alguma fratura ou estarem, como se dizia, asoliados, que não resistiam mais trabalhar no sol, ou com amarelão, doença da época. Alguns também eram vendidos para o açougue depois de engordados. Tínhamos também vacas leiteiras que pariam muitos bezerros, e das quais nós tirávamos leite para tomar, fazer queijo e puína, tudo para consumo próprio, pois naquela época não se conhecia a comercialização do leite. Durante o dia trabalhávamos derrubando o mato com machado e serrote, roçando e plantando. Quando não estávamos trabalhando no eito, fazíamos casas, cercas, estradas abertas com arado de boi, cavalo e picareta. No tempo da colheita as famílias se reuniam em puxirão para debulhar o feijão, a soja e o trigo. Os cereais eram debulhados com o cavalo ou com o manguá. A palha era colocada em eiras sobre as quais os cavalos pisavam para debulhar os grãos, ou então, separavam-se os grãos da palha manualmente com o manguá. Somente mais tarde, lá pelos anos 1970, é que chegaram as chamadas trilhadeiras para debulhar os grãos. O feijão era arrancado e guardado no galpão e o trigo era amarrado em feixes e empilhado na lavoura até que chegasse a trilhadeira, pois naquela época nem todos possuíam uma. Quando ela chegava se reuniam em puxirão para trocar dia de serviço. O puxirão era motivo de muita alegria, pois os vizinhos se reuniam, faziam bastante comida para o almoço e durante o dia serviam uma cachaça para todos beberem, isso para dar mais ânimo à turma e diminuir o cansaço, pois o trabalho era muito pesado. O verão era muito quente, sob o sol escaldante molhávamos a camisa de suor, tanto que as costas da camisa ficavam cheias de sal e logo ela apodrecia e começava a rasgar. Para matar a sede tomávamos vários litros de água por dia na qual tínhamos que colocar limão para não dar diarreia. Também chupávamos melancia e cana-de-açúcar para matar a sede e comíamos toda sorte de vegetais e frutas para matar a fome. O trabalho na foice, na enxada e no arado dava muita fome, por isso, comíamos tanto que ficávamos com a barriga doendo. Na mesa nos servíamos várias vezes, apesar disso, na época nunca se ouviu falar em obesos. O exercício físico das pessoas era feito de maneira natural no trabalho ou jogando futebol. O aprendizado de como se relacionar com as pessoas e se comportar, era adquirido em casa com a família que era numerosa, pois éramos em 11 pessoas. A nossa prática de vida era a CTIE, casa-trabalho-igreja-esporte. As casas eram construídas com 4 ou 5 cômodos, que eram dois ou três quartos, sala, cozinha, dispensa para guardar os alimentos e porão. A casa era rodeada de varandas com bancos de madeira ou cadeiras feitas de palha de milho, onde as pessoas sentavam-se no verão para se refrescar e tomar chimarrão antes do almoço. Na cozinha tinha fogão de lenha ou chapa de ferro sobre tijolos, lava-louça, uma caixa de madeira na janela inclinada para fora, conhecida como laveiro. Na sala não tinha quase nada, quando muito um banco feito de madeira para sentar. Nos quartos havia camas com colchões feitos de palha de milho e, às vezes, também um guarda-roupa. Tudo feito de madeira e em casa. Quando acontecia de sobrar algum sabugo de milho no colchão, esse ficava cutucando as costas da pessoa. De vez enquanto também era preciso dar umas batidas no colchão para que ele voltasse ao normal, pois com o tempo as palhas iam se compactando e o colchão ficava muito duro. O travesseiro era feito de pena de galinha, esse, por sinal, muito confortável. Nos primeiros tempos, contam os antigos, quem vivia no campo só comprava querosene para o lampião, sal e tecido para fazer roupas, toalhas e guardanapos. Mais tarde a despensa começou a ser abastecida com fubá, farinha de trigo, açúcar mascavo ou melado. Quando se abatia um porco ou uma galinha, a carne que não fosse consumida no dia era pendurada para enxugar para que se conservasse por mais uns 3 ou 4 dias. Quando queríamos guardar a carne por mais tempo, nós a colocávamos dentro das latas de banha para não estragar. No porão tínhamos salame pendurado em varas, barris de vinho feitos de madeira, alguns utensílios, vasilhames e ferramentas: tachos, machados, foices, enxadas e arados. Na varanda do galpão, onde se guardava o milho, também tínhamos uma estrebaria feita de esteio de nabo, pau redondo embaixo e quadrado em cima e de tesoura dupla. Naquela época, muitos moradores ainda serravam as toras de madeira à mão ou a falquejavam para fazer caibros. A tora era colocada sobre um estaleiro, sendo que alguém ficava na parte de baixo para serrar a madeira e alguém ficava na parte de cima somente para puxar a serra de volta, porque como a serra era muito pesada, ela tinha os dentes virados somente para um lado e, por isso, somente serrava quando era puxada para baixo. No início as pessoas usavam somente as madeira mais nobres: pinheiro, cedro, canafístula, cabreúva, guajuvira, cangerana e timbaúva, mais tarde, quando essas madeiras terminaram, começaram a usar também madeiras menos nobres, como canela amarela, canela preta, muito catinguenta por sinal, canela pinho e soita. Na terceira fase, a partir dos anos 1980, começaram a cerrar as madeiras reflorestadas como eucalipto, pinos e uva-japão. No Rio Valdomeira, no Salto, tinha o moinho do Sr. Minetto com roda d’água para fazer farinha de milho. Nos anos 1950, também havia perto da foz da sanga da Linha Botafogo, que desaguava no Rio Valdomeira, uma roda d`água de Artur Müller, para carregar bateria, socar erva, canjica e arroz. Nesse período, muitas pessoas também tinham nos córregos de água, perto de suas casas, um monjolo para descascar arroz, fazer canjica e quirela. O monjolo era colocado nas quedas d`água naturais da sanga ou do lado dela, até o qual, a água era conduzida por uma bica feita de madeira. O monjolo era feito com um caibro de madeira apoiado no meio por um cepo. De um lado tinha um cocho, o qual ficava debaixo da queda d`água, e do outro lado, tinha um pilão sobre o qual caia a mão do pilão para triturar os cereais. Quando o cocho se enchia de água ele baixava até o chão e derramava a água e, ficando novamente mais leve que a outra extremidade, voltava à posição inicial, batendo com força com a mão do pilão dentro do pilão onde estava o arroz, o milho ou a erva para triturá-los. Em algumas casas, também havia o simples pilão, um cocho feito de madeira dentro do qual eram colocados os cereais para triturá-los manualmente com um pedaço de madeira chamado de mão de pilão. Meu pai Alberto também tinha um alambique em sociedade com Bento Matinho e Fioravante Giaretta para fazer cachaça. No inverno, aproveitando a entressafra, fazia melado, massa e açúcar mascavo para consumo próprio e vendia o que sobrava para os vizinhos. Fazia até 40 tachadas por inverno entre massa e açúcar, o que dava umas 50 latas de melado. Antes de dar o ponto do açúcar, também aproveitava o melado para fazer rapadura. O melado era derramado na palha da espiga do milho para endurecer. Fazia-se também o puxa-puxa, uma espécie de bala para chupar ou mastigar. De 1986 em diante também foi instalada uma serraria na propriedade do Verno Ruppenthal e seu filho Gilmar era o serralheiro. Os valores familiares, a religião e a participação na Igreja, os meus pais traziam de berço, o que fortalecia a cultura da boa convivência com todos, lado a lado. Na época, a Igreja, um dos poucos espaços de convivência social, servia para fortalecer a ideia de que a união entre as famílias era a melhor forma de vida, pois acreditavam e tinham consciência de que a sabedoria vinha de Deus, autor de tudo, e que só os pequenos e humildes percebiam isso. E viver assim era a verdadeira felicidade. Por isso, na minha família, o respeito pelos pastores da Igreja era muito grande. Meus pais nos incentivavam para sermos religiosos, estudar para padre e freira. Contudo, meus irmãos e eu, como morávamos no interior, não tínhamos coragem de sair de casa para ir morar na cidade. Falavam: fulano foi estudar para padre e ficava por aí. Por exemplo, falavam de alguns primos nossos de Santa Catarina da família Canci que freqüentaram o seminário. Vivíamos em família em um respeito mútuo desde criança. Nossos pais nos ensinavam que existia o certo e o errado, que os pais e os nonos tinham-lhes ensinado. Isso tudo, com certeza, influenciou positivamente os filhos. Tudo era levado à risca. Desse modo não tinha como errar. Ensinavam que não devíamos ficar muito tempo na casa dos outros, senão dava briga, ou pegar as coisas dos outros sem avisar. Por isso, a imensa maioria de jovens e adultos crescia com a melhor índole possível, diga-se de passagem. Contudo, em cinqüenta anos houve uma mudança muito grande e muitas pessoas perderam o respeito pelo próximo, porque não conseguiram ou não tiveram oportunidade de viver em grupo. O mundo é o paraíso para quem sabe discernir o certo do errado e faz as coisas direito para mostrar a que veio e fazer a diferença. Quando criança, para se divertir, não existia toda essa modernidade de que nos servimos atualmente, como televisão, computador, vídeo-game ou brinquedos comprados. Todos os brinquedos eram feitos em casa por mim ou por meus irmãos mais velhos. Algumas vezes tínhamos que fazê-los escondidos, porque pegávamos as ferramentas de trabalho de meu pai Alberto. Para brincar de carrinho os meninos faziam rodinhas de pau, com caretel de linha ou sabugo. Colocavam quatro rodas em dois eixos e sobre eles uma tábua. O eixo da frente era dirigido com os pés ou com um volante de madeira improvisado. O carinho de madeira que a gente fazia, só andava na decida do terreiro, do gramado ou do potreiro, gramado onde pastavam os animais. As meninas faziam bonecas de pano ou com espigas de milho verde que ainda tinham cabelo. Eu era muito pequeno, nem lembro direito, mas meu pai também fez um carro com asas. Quando ainda era jovem eu fiz uma bicicleta de madeira e meu irmão Ito, o Alberi, fez um caro de boi pequeno com boizinhos para puxar. Outra brincadeira era o bolão de pranchas e palitos que os Giarettas e eu também fazíamos. Também jogávamos bocha com bola de pau que nós mesmos fazíamos e de pedras encontradas na roça. A primeira bola que tive era feita de pano, depois com 10 ou 11 anos consegui uma de borracha e, por último, como todo mundo, consegui uma bola de couro comprada em pareceria com os Giarettas, que fizeram um campo na casa deles para jogar nos sábados depois das quatros horas da tarde e nos domingos que não estivessem chovendo, para não estragar o couro da bola. Algumas vezes os Giarettas realizavam torneios e corrida de carinhos com prêmios para os vencedores, como melancias, já que o Mário Giaretta e a sua família eram bons produtores de melancia. Também confeccionávamos petecas feitas de palha de milho. Em 1951, quando Alberto chegou à comunidade da Valdomeira, na Linha Botafogo, em Santo Antônio do Sudoeste, Paraná, ela ainda se chamava Linha Giaretta em homenagem às famílias de Fidêncio e Fioravante Giaretta que ali viviam. Somente mais tarde a localidade começaria a ser chamada de Linha Botafogo por causa da fundação do time Botafogo, que começou a disputar amistosos e torneios nos domingos à tarde com os times das comunidades vizinhas. Tudo começou por volta de 1965, quando o Mano Giaretta, o Miro Giaretta e eu, que também era conhecido como Miro, iniciamos a catação de pijucas, pedaços de pau podre, no potreiro do Bento Martinho, para fazer o campo, e um de nós três, mais especificamente, eu, perguntei que nome teria o time, e um dos dois disse: “pode ser Botafogo”. E assim nasceu o nome do time Botafogo já com campo oficial. Jogamos por muitos anos nesse campo até 1975, quando me casei. Depois jogamos no campo da propriedade do Pedro Junkes, o qual não durou muito porque surgiu outro campo no potreiro do Ivo Venson. Na nossa casa sempre tivemos campo, mas era particular, porque a piazada tinha medo do meu pai. Nos sábados à tarde o time se reunia para treinar para os jogos. Treinava para disputar amistosos e torneios organizados na região duas ou três vezes ao ano. As partidas eram organizadas previamente através de ofício enviado à comunidade vizinha convidando-os para uma visita à casa dos anfitriões, ou também os avisando que seriam visitados. Em 1968, no torneio realizado no campo do Alto Alegre, em um domingo à tarde, no qual o Botafogo inaugurou o seu jogo de camisa, ele participou do torneio sem perder nenhuma partida, se tornando campeão invicto. No time do Botafogo, eu, Altamiro, jogava como goleiro. Tanto que em 1971 fui convidado para jogar no time municipal da Pranchita. No campo de futebol do Botafogo eram realizados os treinamentos, os amistosos e os torneios. Durante o jogo era aberta a copa para vender cigarro, gasosa, pinga e paçoca. O campo ficava no meio do potreiro, tanto é assim que, em uma ocasião o pessoal deixou as roupas perto das árvores onde as vacas costumavam ficar em baixo para descansar e uma delas começou a comer uma das camisas do pessoal que estava jogando. Quando o dono da camisa percebeu que a vaca estava comendo a sua roupa, largou a bola e desesperado saiu correndo ao encalço para salvá-la, mas quanto mais ele corria atrás da vaca, mais ela comia sua camisa, até que ele a alcançou, só que a camisa já estava quase toda engolida pelo animal. Em sentido contrário, o atleta desesperado, tentava alcançar sua linda camisa, da qual só restava a manga de fora. A confusão foi tanta que o pessoal esqueceu-se da partida de futebol e se voltou para assistir o espetáculo que estava acontecendo do lado de fora do campo, e em meio aos gritos de pega-pega, não restava alternativa, senão pegar no que tivesse ao seu alcance, ou seja, o rabo da vaca, que por sua vez acenava para o rapaz como quem dissesse: já te devolvo a camisa, mas como a camisa já estava quase toda engolindo, a corrida para salvá-la era grande, e ele apelou para a última solução, agarrou o rabo da vaca que começou andar em círculo, dando o maior espetáculo, até conseguir recuperar a camisa toda amassada. Outro talento desenvolvido pela família Pasuch foi o musical. Desde pequenos sempre sonhamos em comprar um violão e uma gaita para acompanhar a minha mãe na cantoria. A primeira vez que vi um violão foi na casa do Fioravante Giaretta na qual estavam dois rapazes vindos da costa do Rio Capanema com dois violões de chaves muito bonitos. Os rapazes dedilhavam os violões juntos, porém cada um tocava uma melodia diferente fazendo um som maravilhoso que sabiam iniciar, mas não sabiam como terminar. A família Pasuch também tinha o hábito de fazer filó na vizinhança, que no Paraná também era conhecido como serão, de sera, palavra proveniente do italiano que significa noite. Num desses serões, na casa de Fioravante Giaretta, meus irmãos e eu, estávamos comendo batata, pinhão e amendoim, e um dos rapazes, o Guilherme, o filho mais velho do Fioravante, teve uma ideia maluca, mais uma de suas inúmeras patacoadas: falou que se poderia marcar em uma casa, em uma noite dessas, um filó, um encontro, para que se fizesse bolachinhas e outras coisas com a seguinte frase: “Vamos fazer uma brincadeira?” E desse dia em diante o inimaginável aconteceu. As brincadeiras nunca mais pararam, ganhando aceitação imediata, pois jamais alguém havia proporcionado tal feito. A brincadeira passou a ser o evento mais importante em termos de recreação para as famílias da Linha Giaretta, que mais tarde passou a ser chamada de Linha Botafogo, da comunidade de Valdomeira. E como era feita a tal brincadeira? Nos sábados à tarde, depois das quatro horas, paravam o trabalho na roça e todos se dirigiam para o campo de futebol, a não ser que estivesse chovendo. Também no domingo à tarde se reuniam no campo jovens, velhos, e às vezes, até as mulheres. No domingo, pela parte da manhã, todos iam à Igreja na Valdomeira para participar do terço dominical, pois naquela época ainda não havia o culto ou missa todos os domingos, era só de vez em quando. Cito também o nome das famílias que participavam do terço: os cinco mais antigos eram Mané André, chegado à comunidade em 1950, Bento e Martinha Martins, em 51, Fioravante Giaretta e Elvira em 52, Alberto Pasuch e Carmelina e Paulino e Joana, também em 51, e por último, o Albertão em 53, que ia à igreja embriagado com pinga. Depois vinham, Pedro Junkes e Pina, Valdemar de Lima e Eva, Florindo Faccin e Maria, Dandoca Vieira e Lora, Nilson Pereira e Divina, Ivo Venson e Olivia, João Tedesco e Ida, Fidêncio Giaretta e Ivone, o tio Claudino Canci, Ilda e o Paulo Pereira. O local e a hora para a realização das brincadeiras eram decididos no final dos jogos de futebol que aconteciam nos sábados à tarde. Alguém perguntava: “Onde vamos fazer uma brincadeira hoje?” Nesse tempo, meu irmão Ito, o Alberi, já tinha comprado um violão de tarraxa de madeira e, logo em seguida, no ano de 1968 os Pazuch compraram uma gaita (sanfona). No campo de futebol mesmo, eles decidiam quem ia pedir para os velhos Pedrinho Junkes, Alberto Pazuch ou Bento Martinho emprestar a sala, quem ia arrumar os músicos e quem ia comprar o vinho e a pinga. Em minutos estava programada uma dança. Às vezes apareciam alguns caranchos de longe, mesmo sem serem convidados, mas tudo bem. Eram convidados a entrar, desde que tirassem os sapatos para não riscar o assoalho da sala onde as pessoas dançavam. Quem sabia tocar e cantar compunha o Conjunto Musical e o restante do pessoal dançava. O Conjunto era formado por uma gaita e dois ou três violões sem caixas de som. Também não tinha microfone. Por isso, quando o baile era realizado no salão comunitário da Igreja, muito maior que as salas das casas, quem estivesse dançando do lado contrário dos músicos, nem mesmo conseguia ouvir o que o Conjunto Musical estava tocando ou cantando. Desse modo, todos se esforçavam para tocar e cantar o mais alto possível para que quem tivesse dançando pudesse ouvir. Mas no caso das salas das casas não havia esse problema, como elas eram menores, dava para ouvir bem os músicos. As casas antigas de madeira geralmente tinham uma sala grande, a qual se tornava um ótimo salão de baile. Dos Pazuch, os músicos que tocavam e cantavam eram o Alberi, o Adelir, o Altaides, conhecido como Negão, eu e algumas mulheres. Dos Junkes cantavam o Pedro Junkes e o Írio, também o Valdemar de Lima, Bentinho Pereira e seus irmãos. Durante a brincadeira os mais velhos e os pais ficavam na cozinha conversando, comendo pipoca, batata doce, amendoim e pinhão, também tomando chimarrão, café e quentão. Quando a música era boa o pessoal até aplaudia e a música era tocada novamente para os pares continuarem dançando. Só depois é que voltavam para o canto da sala ou para o banco. Na brincadeira se reunia uma média de 60 pessoas. E em algumas vezes até mais de 100 pessoas. A alegria durante o baile era total, pois nunca houve nenhum tipo de confusão e o respeito entre todos era muito grande. Todos de uma pureza e inocência invejável. Como nem todos sabiam dançar, os mais velhos ensinavam os mais novos que ainda não tinham aprendido a dançar. O curioso é que todas as casas tinham porão e quando por ventura tinha vinho, amendoim, salame e queijo, e alguém ia lá buscar, embaixo do assoalho, ele só ouvia os estalos da madeira da casa, já que a música era abafada pela dança, que em geral não passava muito da meia-noite. Bonito era quando a dança já estava no auge e os velhos adentravam, alguns para dançar, outros para ver e, como sempre, quando tocava uma música limpa-banco, xote ou rancheira, era um verdadeiro espetáculo. As mais famosas eram as marchinhas Cana-verde e Moreninha Linda, os Xotes Laranjeira e Adeus Rio Grande e algumas valsas. Dançavam doentes, aleijados, bêbados, loucos, tongos, pois não existia preconceito. Todos dançavam com todos, pai com filhos, entre irmãos, vizinhos, parentes e amigos. O baile seguia até que alguém mais velho falasse: “está na hora de ir embora”. Então os músicos tocavam a última modinha. Algumas vezes dava certo, outras não, e o baile continuava. Quando findava a brincadeira, quem tinha arrumado namorada, a acompanhava pelo caminho a pé, a cavalo ou de charrete. Para iluminar o caminho usavam-se lanternas, lampiões e fachos feitos de taquara. Em noite de lua cheia não precisava de nenhum tipo de lanterna, pois dava para ver bem o caminho. Tanto que algumas pessoas, quando havia lua cheia, até trabalhavam lavrando a terra à noite, como era o caso do nono João Tedesco, meu sogro. Tudo era alegria desde que no outro dia não tivéssemos que colher trigo ou soja, por causa da ressaca. Porém, nunca ninguém se arrependeu de ir a todas as brincadeiras a cada 15 ou 20 dias. E a fama das brincadeiras se espalhou pelas redondezas. Além de minha família, as pessoas que participavam das brincadeiras eram Mário Giaretta, Guilherme e Estela, Benito, Angelin, Gema, Valdomiro, Terezinha, Irene, Elena, Salete, Antônio Carlos, conhecido como Mano, Maria, Bernardina, Zezo, Nerina, Delinda, Aristides, Lurdes, conhecida como Tota, Albertina, José, Antonio, Ana, Luiza e Paulina, Claudino Canci, Vendelino, Antoninho Canci que foi seminarista, Rosa e José, Lurdes, Zenaide, Moacir, Valdir, Valdecir e Zeneide, Valdemar de Lima, Dica, Jurica, Celina, Anita, Geni, Genesi, Ademar, Dandoca, Sulmi, Neiva, Juca, Neto, Maria Figueira, Neuza, Nete e Aquiles. Dos Fachin eram a Olivia, José, Nizio, Júlio e Antoninho, que foi goleiro do nosso time Botafogo e também do time Harmonia de Valdomeira, Francisco e Celino, Eva, João, Terezinha, Dilcea e Vitório, Odete, Francisco Martins, conhecido como Chico Ajano e Maria, João Tedesco e Ida, e também algumas pessoas da família dos Quadros do povoado Nova Brasília, além de muitas outras pessoas. As brincadeiras terminaram por volta de 1977, porque muitos de nós começamos a casar. Além disso, surgiram os bailes com som mecânico no salão da comunidade. Na Linha Botafogo, no povoado Nova Brasília, também moravam os empregados da Madeireira Damos e Piva que trabalhavam explorando madeira e erva-mate na região. Em 1964, João Tedesco, meu sogro, comprou um lote da Damos e Piva perto do povoado Nova Brasília já com escritura registrada. Desse modo, a Linha Botafogo se desenvolvia rapidamente e em 1966 foi criada a Escola Rural Municipal Dr. Nilo Cairo para atender às crianças da comunidade (atualmente a escola não existe mais). Nela estudaram minha esposa Idete e também meu filho mais velho, Giovane, que iniciou o primário em 1984. A escola Dr. Nilo Cairo, de 1ª a 4ª série, tinha somente uma sala onde lecionava a Professora Maria Signori. Cada série sentava em uma fileira diferente e quem fizesse bagunça apanhava com uma vara. Minha esposa Idete começou a estudar em 1964 com 8 anos na Valdomeira, onde estudou por 2 anos na Escola Duque de Caxias, somente depois que mudou para a Escola Dr. Nilo Cairo, na Linha Botafogo, onde fez o 3º e 4º ano. Eu, contudo, como havia começado ir à escola bem antes, em 1960, só estudei na comunidade de Valdomeira. Comecei a estudar com nove anos e fiz até o 3º ano do primário. Quando a escola Dr. Nilo Cairo da Linha Botafogo fechou, lá pelo ano de 1990, ela passou a ser usada como associação de moradores, onde também construíram uma cancha de bocha. Em 8 de julho de 1986 mudei com minha família para a comunidade do Km 10, do mesmo município, para adquirir mais terras mecanizadas e para que meus filhos pudessem dar continuidade nos estudos colegiais. De 1992 a 1994 fui conselheiro tutelar do município. Atualmente sou membro do Conselho de Segurança da comunidade da Linha Santa Isabel desde 1990, cargo concedido pelo delegado titular José Carlos de Oliveira e pelo presidente da comunidade Antônio Tomazoni.
7. A herança da família Pasuch
Durante seus 38 anos em Santo Antonio do Sudoeste, meu pai Alberto esteve sempre preocupado em melhorar cada vez mais o futuro de seus filhos para que todos tivessem terra e casa. Era muito criativo e capaz de aprender tudo rapidamente. Sempre estava inventando algo novo: ventilador para limpar semente, engenho de cana, soque de erva, grade para preparar a terra, quebrador de milho, sendo que tudo isso era feito de madeira. Era um homem rústico e de poucas palavras, mas de grande visão de mundo, priorizando mais a ação, pois não era de muita conversa afiada. Procurava o melhor para todos e não gostava de falar mal de ninguém, e se alguém viesse para o seu lado com segundas intenções, já cortava o assunto. Seu único defeito era de não saber perder, sendo irredutível nas suas opiniões; contudo, sabia tirar vantagens dessa insistência. Houve uma época em que estava passando na cidade de Santo Antonio do Sudoeste um grupo juntamente com o pároco para arrecadar dinheiro para a construção de um hospital, e ele não quis ajudar, pois estava desconfiado que fossem falsários. Quando lhe disseram que não tinha perigo de perder o dinheiro, porque o padre que estava junto com eles era de confiança, respondeu: “Tem razão, se vocês fossem de confiança, como o padre, eu ajudaria”. Dito e feito! Todos os que tinham ajudado foram enganados, inclusive o padre, pois o dinheiro foi e o tal hospital nunca apareceu. Minha mãe Carmelina, ao contrário de Alberto, já era mais calma e sorridente. Cuidava muito bem da família e não sabia dizer não aos filhos; gostava muito de cantar. Se ela por algum motivo estivesse triste, era só alguém começar a cantar para que esquecesse toda tristeza, pois como se comentava: “Os Manfrin gostam de cantar, fazer festa e contar piadas”, tanto que não se preocupavam em trabalhar muito para fazer capital; o importante para eles era se divertir. Alberto possuía uma grande visão e cultura. Sempre estava lendo sobre algum assunto de interesse político ou religioso, sendo assinante do Jornal Correio Riograndense de Caxias do Sul e do Calendário Antoniano dos padres Franciscanos, uma proeza para a época. Assim, mesmo sem ter freqüentado muito a escola, tinha boa oratória, sabia falar um pouco sobre todos os assuntos. Na linguagem moderna podemos dizer que era um grande filósofo contemporâneo com qualidades em psicologia para ajudar as pessoas a resolverem seus conflitos. Só não foi mais longe, não por desinteresse, mas por falta de oportunidades no meio onde vivia, pois era criativo e aberto ao conhecimento. Ele sempre dizia que tudo o que nós falamos fica gravado no espaço e no tempo, por isso é importante que pensemos e falemos coisas boas, por que um dia a ciência inventaria um aparelho como o rádio para captar vozes que foram ditas no passado e uma televisão que transmitisse, além da imagem dos objetos, também o cheiro. Alberto era um homem que desfrutava de grande amizade por onde passava, talvez tivesse recebido um dom do Espírito Santo para ser um grande instrumento de paz e apaziguador de contendas, porque viveu sem inimigos. Nunca começava um trabalho sem antes fazer o Sinal da Cruz, além de habitualmente rezar o terço pedindo pelas vocações e pelo Santo Padre o Papa. Faleceu em 15 de novembro de 1991; sua esposa Carmelina veio a falecer em 21 de outubro de 1995. O tempo em que morou em Santo Antônio, Alberto mostrou ser homem destemido e honesto. Dizia sempre ter se realizado por conseguir dar terra para todos os seus filhos. Sua personalidade era forte, cultivava seriedade no que fazia, não gostava de quem debochava dos outros; sempre valorizou as pessoas honestas e emprestava dinheiro a quem precisasse. Em 2001 foi homenageado pela Câmera Municipal de Santo Antonio do Sudoeste, por ocasião do Jubileu do Cinqüentenário de fundação do Município, com a medalha de Honra, como membro da segunda legislatura. Por tudo isso, nossa família de desbravadores tem o objetivo principal de dar continuidade aos princípios dos imigrantes italianos, desde sua chegada ao Sul do país, em 1891, para sobreviver, até o avanço dos dias de hoje no campo do conhecimento, sempre com muita simplicidade, mas com entusiasmo próprio de homens e mulheres que vieram para ficar nessa região de fronteira entre Brasil e Argentina, já marcada por grandes eventos. Enfim, uma história iniciada por Alberto Pasuch e sua esposa Carmelina Victoria Manfrin, trazida hoje até nos, me proporcionou o privilégio de, em 2003, completar meio século de vida como a terceira geração nascida no Brasil. Meus pais sempre pediram que a família continuasse unida depois que eles não estivessem mais entre os seus filhos. Por isso, ainda hoje, ela continua unida, apesar de muitos de seus membros terem se dispersado pelo Brasil. Para aumentar ainda mais essa união, a partir de 1998, por iniciativa do seu neto Délcio Pazuch Junkes, a família começou a se reunir uma vez por ano no dia primeiro de janeiro. No encontro é feito um almoço com churrasco e comidas típicas italianas, como pão, cuca e salada de radici. E a tarde o pessoal se reúne para cantar modas italianas, gauchescas e sertanejas, contar causos e piadas. É obrigação minha e de todos os familiares manter viva a nossa tradição cultivada por séculos e séculos de existência da Família Pasuch de 1600, na Itália, até 2010 no Brasil, sem a qual não existiríamos. Superar os erros e conservar os acertos, eis a nossa missão, por que um povo sem memória não sabe quem é. Assim, desejo a todos, sucesso e prosperidade na vida, e que cada um saiba cultivar sentimentos de amizade e fraternidade por onde passar. Altamiro José Pazuch
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